O NOVO CRIME DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER E AS DIFICULDADES DA SUA APLICAÇÃO

O NOVO CRIME DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER E AS DIFICULDADES DA SUA APLICAÇÃO

No mês em que se comemora o Dia Internacional das Mulheres, a violência de gênero é uma das pautas – entre tantas outras – que devem ser trazidas à tona. Diante disso, o presente artigo tem como objetivo aprofundar a nova tipificação da violência psicológica contra a mulher no âmbito doméstico ou familiar, tema recente no Direito Brasileiro.

As Leis nº 14.132/2021 e 14.188/2021 atualizaram o rol de crimes da Lei Maria da Penha. Agora, a prática de “stalking” e a violência psicológica contra a mulher, em âmbito familiar ou doméstico, recebem respostas mais severas, sendo puníveis com medidas restritivas de liberdade.

Assim, com o advento da Lei nº 14.188/2021, a qual define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica, o delito de violência psicológica passou a ser tipificado pelo artigo 147-B do Código Penal:
Art. 147-B Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação. Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.

Para além das tipificações que já existiam na Lei Maria da Penha, essa nova tipificação busca, mais especificamente, proteger a honra e a dignidade diante de situações de violência que causam uma insegurança permanente na mulher. Nesses casos, é comum que a vítima se sinta aprisionada, ao passo que é tolhida de usar sua liberdade em diferentes planos: físico, psíquico, psicológico, emocional e espiritual (BITTENCOURT, 2022).

Embora alguns doutrinadores entendam que o crime previsto no art. 147-B do Código Penal – violência psicológica – já era tipificado pelo art. 129 daquele mesmo Código – que tipifica a conduta de lesão corporal, o qual já abrange a proteção à saúde como um todo -, é inegável a relevância da inovação legislativa, que busca trazer ainda mais foco para o tema.

E, ainda, os inúmeros meios de execução – tais quais “ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação” – tornam a aplicação do novo tipo penal ainda mais confusa, inclusive porque inclui o meio de execução da “ameaça”, crime já tipificado no artigo 147, caput, do Código Penal.

Justamente por se tratar de tipo penal relativamente novo, que, como apontada a doutrina, possui aspectos de identidade com crimes já previstos na legislação penal (notadamente, a “lesão corporal” e “ameaça”), a violência doméstica ainda enfrentará obstáculos antes de alcançar a finalidade almejada pela Lei nº 14.188/2021, sobretudo no que se refere à aplicação jurisdicional.

Atualmente, já se pode constatar a adoção de entendimentos díspares dos Tribunais Brasileiros quanto ao reconhecimento da prática de violência doméstica. Embora alguns Tribunais de Justiça (como é o caso do Tribunal de São Paulo) já apliquem com frequência a nova tipificação da violência psicológica no âmbito da Lei Maria da Penha – com uma pena de reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa -, outros Tribunais de Justiça (como é o caso dos Tribunais de Pernambuco 1 e do Distrito Federal 2 ), em casos semelhantes, continuam reconhecendo, muitas vezes, o crime de ameaça – que tem uma pena mais branda, de detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

Percebe-se, assim, que há uma dificuldade em diferenciar o que efetivamente caracteriza violência psicológica e o que seria mera ameaça. Indubitavelmente, cada ação judicial há de ser julgada de acordo com seus próprios fatos. Contudo, existem critérios objetivos que devem ser considerados para a tipificação do crime de violência psicológica. Para que se entenda melhor essa tipificação, é preciso compreender o núcleo essencial do novo tipo penal, ou seja, o que verdadeiramente se entende por “causar dano emocional”.
Justamente por ser um dos pioneiros na aplicação da nova legislação, o Tribunal de
Justiça de São Paulo bem reconhece o “dano emocional” como:

todo o prejuízo ao estado psíquico da vítima, decorrente da conduta praticada pelo agente, que prejudique e perturbe o seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. Embora não se exija que o dano seja duradouro, é necessário que seja suficientemente relevante a ponto de prejudicar o bem-estar psíquico da vítima, apresentando-se como consequência de
ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e autodeterminação.

O fato é que a violência psicológica familiar ou doméstica praticada contra a mulher deve ser combatida e, em absoluto, rechaçada. Para isso, destaca-se a importância de um alinhamento jurisprudencial, a fim de atender às reais demandas da vítima e, principalmente, buscar compreender se esse reforço punitivo – ao criar novas tipificações de crime – está sendo capaz de corresponder a essas demandas ou se é apenas uma tentativa de ocultar outras mazelas do nosso sistema penal.

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