A Lei Maria da Penha e os desafios do Sistema de Justiça Criminal

A Lei Maria da Penha e os desafios do Sistema de Justiça Criminal

O “Agosto Lilás” celebra os 16 anos da Lei Maria da Penha, promulgada em
2006, que surge como uma resposta às demandas por ações mais incisivas à violência
doméstica e familiar contra a mulher no Brasil.

Consagrando valores e princípios constitucionais, a Lei, na parte que
regulamenta os seus aspectos penais, estabeleceu medidas mais severas nesses casos de
violência, inclusive afastando, de forma expressa, a possibilidade de aplicação das alternativas
penais (condenações em que não há pena privativa de liberdade), o que impactou
diretamente nos índices de encarceramento.

Com isso, a violência doméstica passou a estar entre os nove crimes que mais
aprisionam no Brasil, segundo o Infopen de 20171. Entretanto, apesar do aumento do
encarceramento, tantos anos depois, a Lei Maria da Penha não conseguiu – ainda – atingir o
seu principal objetivo: interromper o ciclo de violência e atender, de fato, às expectativas e
demandas da mulher vítima de violência doméstica e familiar.

No ano de 2018, ao analisar os casos dos crimes que envolvem violência doméstica
e a potencialidade da justiça restaurativa nessa seara, o CNJ publicou o relatório de pesquisa
“Entre Práticas Retributivas e Restaurativas: a Lei Maria da Penha e os avanços e desafios do
Poder Judiciário”2. Nele foram trazidas muitas narrativas de revitimização – dano adicional
causado pelo próprio processo penal (OLIVEIRA, 19993) – atreladas à falta de sensibilidade
(ou machismo) nos setores do Sistema de Justiça Criminal.

Por exemplo, cita-se o caso das audiências de custódia, que ocorrem em até 24h
da prisão em flagrante do agressor. Caso se decida pela sua liberdade provisória – o que
acontece na grande maioria dos casos – simplesmente não se indaga para onde irá o agressor,
o que se dá pela lógica ultrapassada de que esse não mais seria um problema a ser enfrentado
pelo Sistema Criminal.

Assim, é indispensável, principalmente nos casos de violência doméstica, uma
análise crítica dos atores penais e do sistema penal. Isso porque, analisando esses relatos, a
impressão que nos passa é que os atores estão mais preocupados em servir sua própria lógica
interna do que em servir às vítimas.

Ademais, outro entrave encontrado é o silenciamento da vítima. Nesse mesmo
relatório do CNJ, os relatos das mulheres entrevistadas apontam para uma frustração quanto
ao enfrentamento dos conflitos de violência doméstica no âmbito da Justiça Penal.
Importante se torna entender qual o lugar de fala e quem é essa vítima dentro desse sistema.

Na maioria dos casos, a vítima deseja apenas romper com o ciclo de violência e,
inclusive, não tem interesse em seguir com o processo penal na sua forma tradicional. Por
isso, é fundamental, ainda que não seja simples, entender as suas reais demandas e as
potenciais alternativas penais para esses casos.

Ante o exposto, conclui-se que dois pontos são cruciais para uma atuação
adequada do Sistema da Justiça Criminal: minimizar os casos de revitimização e buscar
compreender as reais demandas da vítima diante dos conflitos domésticos.

É imprescindível e urgente que os atores penais consigam complexificar essas
situações, ou seja, atentar para suas especificidades enquanto conflito, e não apenas enquanto
um tipo penal. Assim, será possível aprimorar a conduta de todo um sistema, em sua
maioria, ainda despreparado.

1 Relatório disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf Acesso em 09/07/2021.

2 CNJ. Entre práticas retributivas e restaurativas: a Lei Maria da Penha e os avanços e desafios do Poder Judiciário. Realização: Universidade Católica de Pernambuco. Disponível em: https://wwwh.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-pesquisa/publicacoes. Acesso 07/07/2021.

3 OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt. A vítima e o direito penal. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1999.

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