INFLUENCIADORES DIGITAIS: PUBLICIDADE, RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA REGULAMENTAÇÃO

INFLUENCIADORES DIGITAIS: PUBLICIDADE, RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA REGULAMENTAÇÃO

Os avanços da tecnologia permitiram à sociedade se relacionar também através do meio virtual. A utilização assídua do Instagram, Twitter, Facebook e Youtube possibilitou que as plataformas se tornassem um espaço de trocas, algo de natureza social e encurtador de distâncias. Os usuários foram capazes de se conectar com o cotidiano de pessoas até então desconhecidas e as que tiveram mais destaque ao compartilhar sua vida conquistaram maior número de seguidores. Daí nasceram os Influenciadores Digitais: personalidades que, ao compartilharem suas atividades do dia a dia, dicas de lugares, estabelecimentos e produtos, conquistaram um público fiel que lhes deposita a confiança.

Como os influenciadores começaram a comercializar a produção de conteúdo, objetiva-se analisar (i) como se desenvolvem as atividades realizadas nas redes sociais e a eventual prática do marketing subliminar; (ii) as normas de publicidade definidas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR; (iii) a possibilidade de responsabilidade civil dos influenciadores digitais, na hipótese de dano ocorrido em razão de publicidade abusiva ou enganosa; e (iv) a regulamentação do ofício dos influenciadores digitais.

O Influenciador Digital

Com o desenvolvimento do Facebook e Instagram, para além do compartilhamento rápido e imediato de meros textos e fotografias, popularizou-se o compartilhamento de pensamentos, momentos e opiniões. Passaram a ganhar popularidade nas redes sociais os usuários que compartilhavam sua vida com os seguidores, mostrando sua realidade de forma carismática.

Considerando que o compartilhamento de informações, hoje denominada “produção de conteúdo”, acontece de forma espontânea e informal, sendo por muitas vezes íntima, os usuários que seguem os perfis de famosos desenvolvem, com o tempo, a impressão de serem no mínimo conhecidos ou amigos distantes.

Por às vezes serem o que se pode chamar de “gente como a gente” ou possuir uma realidade almejada pelos usuários seguidores, a sensação de ter na pessoa do influenciador um amigo ou conhecido permite que os seguidores depositem sua confiança naquele perfil. Confiança na veracidade daquilo que está sendo exposto, nas opiniões, e, mais importante para o objeto deste estudo, na opinião pessoal sobre algum produto, local ou marca.

Tendo em vista a relação de proximidade existente entre os influenciadores e seus seguidores e a confiança naqueles depositada, as marcas e agências encontraram ali um ambiente propício e eficaz para a realização da publicidade.

Quando realizada pelos influenciadores digitais, os usuários das redes consomem a publicidade voluntariamente, pois ali estão presentes para assistir o conteúdo produzido pelo influenciador, seja nas publicações e stories do Instagram, seja durante um vídeo do Youtube. As publicidades, quando bem planejadas, se enquadram perfeitamente no tipo de conteúdo já produzido, de modo que a fala do influenciador funciona como um endosso de que aquele produto realmente vale a pena ou que ele encontra-se presente rotineiramente no dia a dia do influenciador, tendo efeito igual ou similar ao de um amigo que lhe indica o produto favorito.

Eles vêm se tornando a peça chave do marketing inteligente.

As ações de marketing realizadas pelos influenciadores digitais fazem parte de uma nova roupagem da publicidade, que busca despertar o desejo do consumo diretamente no público alvo do produto. Alguns tipos de publicidade digital, no entanto, não são permitidas.

As propagandas subliminares não são disciplinadas pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, “por não se tratar de técnica comprovada, jamais detectada de forma juridicamente inconteste”. O referido Código, por isso, condena “quaisquer tentativas destinadas a produzir efeitos ‘subliminares’ em publicidade ou propaganda”.

Por ser um tipo de publicidade invisível, ela captura a atenção do consumidor e permite que o fornecedor angarie determinado nicho de consumidores, alavancando, desse modo, sua marca. Dois exemplos de publicidade subliminar são o buzzmarketing e o merchandising.

Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária

No Brasil, o órgão responsável por estabelecer as diretrizes publicitárias é o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR, organização não governamental cuja missão é impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ou prejuízo a consumidores e empresas.

Produzido pelo CONAR, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária objetiva “a regulamentação das normas éticas aplicáveis à publicidade e propaganda, assim entendidas como atividades destinadas a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou ideias”, nos termos do seu artigo 8º.

Com o intuito de definir orientações básicas para a aplicação das regras do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária no conteúdo comercial publicado em redes sociais, em especial o produzido pelos influenciadores digitais, independentemente da quantidade de seguidores, o CONAR publicou, em dezembro de 2020, o Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais.

Segundo a exposição de motivos, o Guia parte do princípio de que, como a relação de confiança entre os influenciadores e seus seguidores tem como base o caráter orgânico do conteúdo produzido, deve restar claro para o seguidor a intenção comercial existente no conteúdo produzido a partir da interação do anunciante e/ou agência com o influenciador, de modo que haja uma correta e leal comunicação e a devida ostensividade e identificação publicitária prevista no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.

Ao realizar as recomendações, o Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais define como publicidade “a mensagem de terceiro destinada a estimular o consumo de bens e/ou serviços, realizadas pelos Influenciadores Digitais, a partir de contratação pelo Anunciante e/ou Agência”.

Além da função preventiva e conscientizadora, o CONAR atende, ainda, a denúncias de consumidores, autoridades, associados ou as formuladas pela própria diretoria, que são levadas a julgamento pelo Conselho de Ética, garantindo amplo direito à defesa e contraditório às partes e, se julgada procedente, o CONAR recomenda a alteração ou sustação da veiculação do anúncio.

Responsabilidade Civil dos Influenciadores

Ante o poder de influência sobre seus seguidores, questiona-se se é possível responsabilizar civilmente os influenciadores digitais pelos danos gerados ao consumidor decorrentes da publicidade realizada, no que tange ao conteúdo e à veracidade das informações do material publicado.

O Código de Defesa do Consumidor possui uma seção específica que regulamenta a publicidade nas relações consumeristas e elenca, em alguns artigos esparsos, os princípios que devem ser observados com relação à publicidade, tais quais: princípio da identificação e princípio da veracidade e não abusividade.

O artigo 36 determina que “a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”, sem que seja necessário esforço ou conhecimento técnico para sua identificação, veiculando, desta forma, o princípio da identificação. A importância do dispositivo toma maiores proporções quando analisamos que as publicidades realizadas pelos influenciadores digitais não representam mera veiculação de um anúncio publicitário.

Conforme exposto, a aludida publicidade realizada é inserida no conteúdo cotidiano do influenciador, fazendo parecer que aquele produto ou marca está, de fato, inserido na rotina, de modo que o influenciador, ao publicá-la, indica e dá respaldo ao produto ou marca, ao invés de funcionar como mero veiculador do anúncio, aproveitando-se, desse modo, da confiança existente na relação com seus seguidores. Evidente, portanto, a posição de vulnerabilidade do consumidor, o que ressalta a necessidade da adequada sinalização do conteúdo publicitário, a fim de garantir a proteção do elo mais fraco.

Preconizando o princípio da veracidade e não abusividade, o artigo 37 veda qualquer publicidade enganosa ou abusiva, de modo que, para evitar que as publicidades realizadas sejam consideradas marketing subliminar, é preciso que os influenciadores deixem claro na publicidade que aquele é um conteúdo patrocinado.

Como os influenciadores se aproveitam da publicidade abusiva ou enganosa, pois são remunerados ao fazê-la, podem ser equiparados aos fornecedores da cadeia de consumo, respondendo solidariamente pelo anúncio ilícito.

Considerando que os influenciadores digitais, apesar de seguirem o briefing do anúncio, possuem certa liberdade criativa para desenvolver a publicidade de acordo com a sua produção de conteúdo, a publicidade veiculada em suas redes sociais, seja ela não identificada, abusiva ou enganosa, passa pelo seu exame e aprovação, sendo evidente que devem ser responsabilizados pelos danos gerados aos consumidores.

Isto porque o influenciador não é compelido a realizar nenhuma publicidade, mas, caso aceite o trabalho, deve atuar pautado nos princípios ético-jurídicos impostos pela boa-fé objetiva, acatando os riscos decorrentes do serviço que, produzido, vinculará sua imagem e prestígio.

Apesar de existirem diversas denúncias ao Conselho de Ética do CONAR, que determinam a sustação dos anúncios irregulares, os Tribunais Regionais e Tribunais de Justiça ainda não se depararam com um grande número de processos de responsabilização dos influenciadores digitais, fato possivelmente justificável pela contemporaneidade do ofício dos influenciadores.

Regulamentação da Profissão

Constatada a importância dessa nova função para o marketing e sua relevância, ainda que seja um setor emergente, a carência de regulamentação da função nas normas brasileiras começa a ser sentida. Foram desenvolvidos, por este motivo, alguns projetos de lei que pretendem conceituar, limitar a atuação e estabelecer os deveres dos influenciadores digitais na prática de seu ofício, a citar os Projetos de Lei nºs 10.937/2018, de autoria do Deputado Eduardo da Fonte, 4.289/2016, de autoria do Deputado João Henrique Caldas, e o 929/2020, de autoria do Deputado Wladimir Garotinho.

Apesar de ainda não ter sido desenvolvida e aprovada, de fato, uma regulamentação da profissão de influenciador digital, blogueiro ou vlogueiro, os citados projetos de lei demonstram que esse é um caminho a ser trilhado, uma vez que as inúmeras questões que envolvem o exercício das referidas profissões anunciam a necessidade de serem juridicamente solucionadas.

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