A responsabilidade dos pais com o filho menor traz consigo os princípios do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana. Entretanto, ao pensar na responsabilidade parental, é comum que a questão seja vinculada apenas ao campo alimentar, o que caracteriza um reducionismo perigoso para o assunto.
Ora, a vida digna e o mínimo existencial, apesar de necessitarem, sim, dos subsídios econômicos, não se resumem à prestação de alimentos.
A família, a sociedade e o Estado, de acordo com a Constituição Federal, detentora da ordem jurídica e dos direitos fundamentais, têm o dever de resguardar direitos como a vida, a saúde, a educação e a cultura da criança e do adolescente.
Portanto, atualmente, se fala de três espécies principais de abandono parental: material, intelectual e afetivo.
Inicialmente, o abandono material é relativo ao subsídio econômico para garantir uma vida digna ao menor. Ele está tipificado no Art. 244 do Código Penal, que o descreve como a recusa injustificada de prover a subsistência da vítima. Tal recusa injustificada estaria vinculada ao provimento de recursos necessários ou ao pagamento da pensão alimentícia judicialmente acordada.
Justamente por esse segundo ponto, não rara é a confusão entre tal dispositivo e a prisão civil do Código de Processo Civil. Assim, oportuna se faz esta diferenciação.
A prisão civil prevista no Art. 528, §3º, do CPC também é decorrente do inadimplemento da prestação de alimentos. Todavia, a pena da tutela penal é de 3 a 4 anos de detenção e multa, enquanto a tutela civil prevê uma prisão de 1 a 3 meses. É perceptível, pois, que a prisão civil não se assemelha a uma sanção penal, sendo, na verdade, uma medida para compelir o devedor a cumprir a obrigação.
Além do dever de prestar alimentos, o Direito pátrio prevê o dever parental de conceder educação e criação ao filho menor. Por isso, se fala também do abandono intelectual.
O abandono intelectual está previsto no Art. 246 do Código Penal, o qual se refere especificamente à falta de provimento, sem justa causa, da educação primária do filho em idade escolar. Na seara cível, por sua vez, a tutela se torna mais abrangente. O Código Civil, em seu Artigo 1.634, I, traz a criação e a educação dos filhos como exercício obrigatório do poder familiar.
Desta feita, resta clara a importância que o Direito brasileiro dá ao poder familiar na formação educacional e cultural da criança e do adolescente.
Por fim, tem-se falado também sobre o abandono afetivo, este ainda não tipificado nos códigos. Mesmo quando não há o abandono intelectual ou material, a indiferença afetiva de um genitor pode levar, na Justiça, à indenização. O abandono afetivo constitui descumprimento do dever legal de cuidado.
O Sr. Desembargador Diaulas Costa Ribeiro, da 8ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, relator de um caso em que a filha foi indenizada por abandono afetivo do pai, trouxe em sua decisão:
“Não se pode exigir, judicialmente, desde os primeiros sinais do abandono, o cumprimento da “obrigação natural” do amor. Por tratar-se de uma obrigação natural, um juiz não pode obrigar um pai a amar uma filha (…) Mas não é só de amor que se trata quando o tema é a dignidade humana dos filhos e a paternidade responsável. Há, entre o abandono e o amor, o dever de cuidado. Amar é uma possibilidade; cuidar é uma obrigação civil”
Ante o exposto, seja qual for a espécie de abandono, destaca-se a necessidade de uma análise aprofundada do caso concreto, uma vez que a busca pela plena compreensão dos fatos e das suas circunstâncias é indispensável para uma solução apropriada da lide.
Apesar disso, resta claro também que a análise do caso concreto deve se opor a qualquer tipo de relativização dos direitos fundamentais em questão, buscando sempre uma prestação jurisdicional justa e alinhada com os princípios constitucionais brasileiros.