A minha opção pelo estudo do Direito Tributário surgiu a partir do exercício de cargos públicos, no Governo do Estado de Pernambuco, quando do início de vigência do Código Tributário Nacional, em 1966.
Novos tributos surgiram, ao lado dos que já existiam e dos que receberam novas roupagens, gerando intensas discussões, em nível nacional. Na ocasião, tive o privilégio de participar de debates e palestras, presentes juristas excepcionais, a exemplo de José Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba, Rubens Gomes de Souza, Paulo de Barros Carvalho.
Eu me detive, naquela ocasião, para o estudo do ICM (atual ICMS), principal fonte de arrecadação tributária estadual. Sua característica de não cumulatividade, que o distinguia do antigo IVC, era motivo de acesas discussões, porquanto – ao que já se dizia – ensejava indesejável guerra fiscal entre os entes políticos da Federação.
A inovadora característica da não cumulatividade buscava melhor distribuir o produto de sua arrecadação, aquinhoando equanimemente os estados produtores e consumidores, pela sistemática de débitos e créditos, ou, conforme a dicção constitucional, compensando-se o devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro estado ou pelo Distrito Federal.
Passadas décadas e décadas, até hoje se questiona a inaptidão desse imposto como instrumento de arrecadação pelos estados federativos, diante das peculiaridades para sua adaptação, sabido que a experiência até então conhecida ocorrera em estados unitários.
Naturalmente, minha atuação profissional foi direcionada para o direito tributário, estudado a partir de princípios constitucionais claros e regras explícitas, complementadas em um código muito bem elaborado.
Ao longo do tempo, diversos outros tributos foram e ainda vêm sendo questionados judicialmente, seja em razão de vícios de inconstitucionalidade das leis que os instituíram ou que os majoraram, seja porque a legislação, baixada pelo poder executivo dos entes tributantes, a pretexto de regulamentar a cobrança, ultrapassa os limites constitucionais autorizados.
Tem-se, muitas vezes, como letra morta, o aforismo acolhido pelo CTN, de que o conteúdo e o alcance dos decretos (com maior razão portarias, instruções normativas etc) restringem-se aos das leis em função das quais são expedidos, determinados com a observância das regras de interpretação estabelecidas na mesma lei.
Dentro do universo incontável de normas, alguns contribuintes vão buscar no Poder Judiciário um paradeiro para a cobrança ilegal. Na verdade, grande parte se submete ao excesso de exação e docilmente recolhe os valores que lhe são exigidos. Por desconhecimento, por falta de orientação ou pelo temor reverencial ao Estado.
Há nisso uma lógica perversa. Muitas vezes, o Fisco sabe da ilegitimidade dessas cobranças. Inclusive em razão de reiterados pronunciamentos judiciais. Mas as mantém, pelo irrelevante questionamento da cobrança abusiva, que não interfere na arrecadação, frente ao elevado número dos que se submetem à exigência fiscal.
A experiência de muitos anos mostra que o descumprimento da obrigação tributária, pelos contribuintes, decorre em grande extensão, da deficiência dos textos normativos (leis, decretos, portarias, instruções etc), adrede e pessimamente formulados, muitas vezes ininteligíveis e impraticáveis.
Ilegalidades e abusos flagrantes à parte, também se verifica que nossos legisladores, na seara fiscal, tendem a confundir o possível com o real. As bases da tributação, juridicamente possíveis, nem sempre são social ou economicamente reais!
Muitas vezes se observa a incapacidade contributiva do segmento econômico-social destinatário do tributo, tornando-o inviável ou injusto. E, por estarem fora da realidade, as normas instituidoras são descumpridas simplesmente, desrespeitadas. Não por recalcitrância, mas por impossibilidade material.
Ao advogado cabe, nessas ocasiões, o relevante papel de levar ao Poder Judiciário o caráter abusivo dessas normas, ofensivas dos princípios constitucionais.
A Constituição Cidadã elegeu parâmetros insuperáveis para a instituição dos tributos, exigindo que sejam graduados segundo a capacidade econômica dos contribuintes, respeitados os direitos individuais, o patrimônio, os rendimentos e suas atividades econômicas. Suas regras estão em sintonia com o princípio, também ali consagrado (e por igual muitas vezes ignorado) de vedação de uso dos tributos com efeito de confisco.
O Supremo Tribunal Federal, a propósito, não admite cobrança que possa conduzir, no campo da arrecadação fiscal, à injusta apropriação, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos seus concidadãos contribuintes. Porque compromete, o excesso da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou impede a prática de atividades profissionais lícitas, ou, ainda, prejudica a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas.
Ao interpretar a proibição do confisco, em matéria tributária, a Suprema Corte estendeu o princípio, além dos tributos, às multas resultantes do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias. O caráter confiscatório das multas não pode ser dissociado da exigida proporcionalidade entre o ato violador da lei tributária e a respectiva sanção aplicável.
Os princípios constitucionais a que a Administração Pública está submetida, balizam rigidamente os critérios para a fixação das multas tributárias. Valores fixos ou percentuais, que ultrapassem os limites do razoável, que se mostrem desproporcionais à natureza da infração cometida, ou que agridem a capacidade contributiva dos cidadãos, já por tais motivos inadmissíveis, vão também de encontro à vedação de confisco, igualmente constitucionalmente prevista.
A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e a sua consequência jurídica, evidencia o caráter confiscatório, atentando contra o patrimônio do contribuinte e gravemente contrariando o dispositivo constitucional.
A atividade fiscal do Estado não pode ser onerosa a ponto de afetar a propriedade privada, confiscando-a a título de tributação.
O efeito confisco pode ocorrer até mesmo em razão do conjunto de incidência sobre uma mesma base, ultrapassando a razoável capacidade contributiva do cidadão, embora isoladamente possa não ser confiscatório. A exigência deve ser medida pelo conjunto e não isoladamente.
Com a Carta de 1989, floresceu significativamente o contencioso tributário. O Poder Judiciário, não estruturado, abarrotou-se de demandas fiscais. Ainda hoje repercute esse acúmulo desmesurado de feitos. A evidência não desnatura assertiva anterior, de que apenas alguns contribuintes, diante do imenso universo dos que sofrem cargas tributárias insuportáveis, optam pela discussão judicial das cobranças.
Na última década dos anos 90, mercê da intensa demanda judicial observada, percebeu-se significativo incremento da advocacia tributária. Muitos escritórios redirecionaram suas atividades para esse ramo do direito. Por igual, aumentou não somente o número de cursos jurídicos, como também os de pós-graduação, mestrados e doutorados voltados ao Direito Tributário.