Derivado da pontualidade, até certo ponto exagerada, do povo britânico, a expressão “horário britânico” começou a integrar o vocabulário da sociedade brasileira como um termo utilizado tanto para evidenciar a pontualidade de determinada pessoa como para lançar dúvidas sobre a anotação de certos horários.
Indubitavelmente, a utilização do termo em questão é mais perceptível e difundida, tratando-se do âmbito jurídico, na seara trabalhista, ramo do direito que versa sobre as relações de trabalho entre Empregado e Empregador.
Na prática, um dos principais pleitos constantes nas reclamações trabalhistas remete à ausência de pagamento de horas extras, as quais são calculadas – pelo menos – com base no acréscimo de 50% da hora ordinária de trabalho.
Em regra geral, o controle de jornada dos Empregados é realizado através da anotação de ponto, seja de maneira manual, digital ou biométrica. Tais documentos nada mais são do que compilados de informações acerca do início e término da jornada de labor de determinados funcionários, além dos períodos de descanso previstos em lei.
Ocorre que é extremamente difícil, por inúmeras razões, um funcionário iniciar e terminar a sua jornada diária de trabalho em repetidos e constantes horários por um longo período sem qualquer alteração, mesmo que mínimo, em tais anotações.
É verdade que podem ocorrer eventuais coincidências de tempos em tempos, porém a repetição corriqueira de horários sugere algum tipo de erro ou, até mesmo, malícia no preenchimento dos controles de jornada, dada a imprevisibilidade do cotidiano.
Atrasos são comuns e, às vezes, ocorrem por motivos alheios à vontade do Empregado, como um protesto no trajeto que o mesmo utiliza para o trabalho ou a existência de um acidente como o seu método de transporte.
Logo, qualquer controle de jornada com horários idênticos têm a sua validade questionada. Inclusive, este entendimento foi consolidado através da súmula de nº 338 do TST:
JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 234 e 306 da SBDI-1) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
[…]
III – Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. (ex-OJ nº 306 da SBDI-1- DJ 11.08.2003).
Sendo assim, percebe-se que o efeito prático do horário britânico nas anotações de ponto remete à inversão do ônus da prova para o Empregador, o qual terá que provar o real horário de labor do seu ex-funcionário sob pena de condenação em horas extras de acordo com a jornada declinada na petição inicial.
Por fim, engana-se quem pensa se tratar de uma problemática restrita às relações de emprego entre grandes empresas e seus funcionários, pois até mesmo os Empregadores domésticos precisam ficar atentos aos controles de jornada dos seus Empregados como forma de evitar futuras condenações trabalhistas.
Ademais, tratando-se especificamente do trabalho doméstico, o ônus da prova referente às jornadas de trabalho, por força de expressa previsão normativa neste sentido, recai automaticamente sobre o Empregador, mas isso é assunto para uma futura postagem…
Até a próxima!